17 de fevereiro de 2009

Reflexões de um visionário


Muhammad Yunus*

Os princípios fundamentais estabelecidos por Muhammad Yunus, *Prêmio Nobel da Paz em 2006, conhecido como o banqueiro dos pobres, baseiam-se em negócios com forte compromisso social, sem fazer caridade, mas beneficiando àqueles que mais necessitam.

O Grameen Bank surgiu em 1976 em Bangladesh, quando o país estava passando por grandes dificuldades econômicas e o pouco crescimento que havia iniciado em 1974, quando da independência do país, estagnava-se. O contexto era desalentador: reinava o caos, cresciam a fome e as diferenças sociais. Em sua atividade de professor universitário, Muhammad Yunus sentia-se frustrado, sem saber o que fazer para ajudar: no âmbito acadêmico, falava-se de um investimento de milhões de dólares que seria necessário para impulsionar a economia do país, mas Yunus percebeu que, nas aldeias, as pessoas necessitavam de muito pouco dinheiro emprestado para começar a se desenvolver. Foi por isso que iniciou negociações com um banco para a concessão de crédito aos pequenos produtores, mas a instituição se negou a isso, com a desculpa de que os produtores gastariam todo o dinheiro em bens de primeira necessidade e não seriam capazes de pagar os empréstimos. Além disso, os requerentes não tinham garantias reais. Para os bancos, o negócio era insignificante e, assim, não tinham nenhum interesse nele.

“Os bancos só emprestam dinheiro àqueles que podem apresentar avais, quer dizer, às pessoas que já têm recursos”, explica Yunus. “Assim, a pobreza não tem nada a ver com os recursos do país, mas com as instituições e políticas que foram desenhadas não para dar oportunidades iguais, mas somente para manter o status quo.” Após árduos meses de negociação, o banco aceitou emprestar dinheiro, tendo Yunus como fiador. O negócio deu certo. Os devedores começaram a pagar regularmente. Yunus decidiu, então, criar um banco independente, com a ajuda do governo: o Grameen Bank, uma instituição que tem 12.000 funcionários e uma clientela composta por 94% de mulheres.

O poder das mulheres

Segundo Yunus, fazer negócios com as mulheres tem sido uma maneira de prevenir o mau uso do crédito. O sexo feminino é muito mais cuidadoso quanto ao uso do dinheiro e, invariavelmente, usam-no para promover o bem-estar de seus familiares. As mulheres, principalmente as que possuem poucos recursos, são boas administradoras de receitas escassas. Asseguram-se de que o pouco que tenham seja suficiente para cobrir o maior número de necessidades domésticas. Quando uma mulher obtém crédito do Grameen, quer ter certeza de poder pagá-lo. Por isso, investe o montante do melhor modo possível, de maneira a manter aberta a linha de crédito. Essa é a razão básica e elementar pela qual o banco deixou de emprestar aos homens para concentrar-se nas mulheres. Não tem nada a ver com religião, região ou cultura. Está mais relacionado com o gênero do que com outros fatores.

O modelo Grameen

No modelo Grameen Bank, não existem avais nem garantias. Cada pessoa entra no sistema com outras quatro pessoas que escolhe. Em geral, esses membros do grupo são pessoas que se conhecem e que se sentem à vontade entre si. Este é o ponto de partida: a motivação, o sentimento de solidariedade e a conexão. Se alguém não devolver o dinheiro, seu companheiro não poderá receber crédito. Desse modo, ganha o trabalho em equipe, incentiva-se a união, e a motivação social cresce a cada dia.As pessoas investirão o dinheiro e passarão a integrar-se na economia. Entretanto, para que isso aconteça, não basta disponibilizar capital. É preciso criar condições para que todos tenham oportunidades de integração, ou seja, criar instituições para que os pobres possam tirar vantagem do crescimento. A prática do Grameen Bank se apóia na crença de que todos os seres humanos são dotados de talentos ilimitados. A sociedade, contudo, não lhes dá o apoio que necessitam para explorar as potencialidades que todos possuem. Muitas pessoas deixam essa vida sem ter descoberto sequer a mínima parte do que são capazes de fazer.

Yunus sustenta que é importante destacar que, para as pessoas de negócios, os programas de micro-crédito representam uma valiosa oportunidade: podem investir e conservar o valor do investimento, enquanto perseguem um objetivo social muito poderoso. Trata-se de um investimento, não de caridade. O micro-crédito baseia-se nos princípios de qualquer negócio.

“Não se poderá alcançar uma paz duradoura até que uma grande parte da população encontre a maneira de sair da pobreza. Os micro-créditos constituem uma das formas de consegui-la.”

“Os micro-créditos têm se mostrado um importante fator de libertação em sociedades nas quais as mulheres, principalmente, enfrentam condições econômicas e sociais de caráter repressivo.”

“Com o dinheiro empregado nas guerras, teríamos acabado com a pobreza.”

“Quando se dá oportunidades às pessoas, elas querem aproveitá-las. Não as pressionamos para que devolvam o dinheiro. Pagam-no por uma questão de sobrevivência, porque, se não o fazem, a porta se fecha e, então, não terão nada. Às vezes, uma pessoa não paga em um ano ou dois. Mas um dia acaba precisando de dinheiro para uma outra coisa, vem devolver o empréstimo e pega outro. Nós sempre aceitamos isso, porque o que aconteceu a essa pessoa é uma lição para as demais.”

“Qualquer um pode ser uma pessoa de negócios comum, não digo de grande sucesso. Os seres humanos têm a capacidade de prosperar, de resolver problemas e fazer as coisas por si. Esse instinto existe. Alguns o descobrem e têm sucesso. Outros, nunca abrem a porta.”

“Eu analiso as pessoas que têm vindo ao Grameen Bank e não as que não vieram ainda. Cinqüenta e oito porcento dos que estão com o banco saíram da pobreza e, a cada dia, mais e mais pessoas estão saindo da pobreza: crianças vão à escola e jovens estão se formando nas universidades, tornando-se engenheiros ou médicos. Anulamos o ciclo da pobreza. Se isso pode ser feito por algumas famílias, também pode ser feito para aquelas que ainda não estão no Grameen Bank.”

“Os negócios, hoje, buscam maximizar os benefícios e esquecer-se do resto. Eu digo que essa é uma idéia equivocada. Os seres humanos não são simplesmente máquinas de fazer dinheiro. Nós provamos que se podem fazer negócios sociais, que beneficiam a sociedade.”

http://www.hsm.com.br/editorias/economiaefinancas/Reflexoes_um_visionario.php?ppag=1

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