25 de maio de 2012

Nerds: os donos do mundo


Eles eram os párias da escola. Desajeitados, tímidos e vidrados em conhecimento acabaram conduzindo uma revolução sem precedentes no modo como vivemos e nos comunicamos hoje. Agora, estão se preparando para o próximo passo: transformar completamente a sua empresa


Por Michelle Veronese, Revista Administradores                                                     http://www.administradores.com.br
Leia com atenção estes nomes: Steve Wozniak, Tim Berners-Lee e Jimmy Wales. E imagine: se houvesse um avançadíssimo gadget implantado agora em sua retina e capaz de traduzir instantaneamente substantivos próprios para adjetivos, você teria lido: nerd, nerd e nerd em vez dos nomes acima. Mas a tecnologia não evolui tanto assim e, pior!, talvez você nunca tenha ouvido falar desses caras. Não mesmo?! Então é melhor começar sua pesquisa agora. Mas faça do jeito que eles recomendariam: use um computador pessoal, de preferência um Mac (iWoz, como é chamado Steve, o cofundador da Apple e um dos criadores do PC), acesse a internet (Tim é o responsável pelo desenvolvimento da www, a world wide web, onde milhões de pessoas navegam diariamente) e busque na Wikipedia (Jimmy é o todo-poderoso da enciclopédia livre on-line). Você vai descobrir que, além de tudo isso, o trio acima está entre os homens mais influentes do mundo e vem ajudando a ditar os rumos de atual revolução tecnológica. Ah, sim, eles também são nerds!
Chamar alguém de nerd já foi xingamento. E isso não faz tanto tempo assim. A palavra surgiu na década de 50 e tudo indica que foi utilizada pela primeira vez para denominar um grupo de cientistas canadenses que trabalhavam na divisão de pesquisa e desenvolvimento (research and development) da Northern Electric, hoje Nortel. Bastou juntar as iniciais da empresa e daquele departamento para formar o apelido: NERD. Como essa turma passava dias no laboratório, atrás de pesados óculos e longe da vida social, a expressão logo foi também usada para designar outros jovens com o mesmo perfil. Nascia, assim, a gíria para o cara esquisitão, tímido e aficionado por conhecimento.
Ilustração: João Faissal/Revista Administradores

A partir daí, a jornada dos nerds não foi fácil. Para ser alvo de chacota e desse temido apelido, bastava o sujeito ser tímido, usar óculos e ter alguma paixão por temas que podiam variar de aviões da Segunda Guerra à história dos samurais, passando por RPGs, videogames ou ficção científica. Os nerds eram ridicularizados na escola e ainda satirizados pelo cinema e a TV, em filmes como A Vinganca dos Nerds, De Volta para o Futuro e Weird Science. Resultado: eles se isolaram em seus laboratórios, salas de aula ou empresas de garagem. E foi aí que a revolução começou.
Sem alarde e em pequenos grupos, os nerds impulsionaram avanços que estão hoje influenciando o comportamento de milhões de pessoas no mundo inteiro. Já ouviu falar em Bill Gates? Pois é, ele veio dessa safra de nerds. Era um programador visionário que, nos anos 70, se uniu a Paul Allen para criar a Microsoft. "Com a criação do computador pessoal (PC), eles tiveram a visão de que o software e não o hardware seria mais importante e rentável. Isso os ajudou a fechar um acordo histórico com a IBM que, mesmo contando com um grande número de profissionais experientes, não visualizou essa oportunidade", conta Flávio Marcelo Amaral, da equipe do Yahoo! Brasil, onde é gerente regional de operações para a América Latina.
Na mesma época, também entrou em cena Tim Berners-Lee, o pai da world wide web, que permitiu o desenvolvimento da internet como a conhecemos hoje, e Steve Wozniak, que em 1976 se uniu a Steve Jobs e Ronald Wayne para criar a Apple. Mais tarde, foi a vez do Yahoo!, de Jerry Yang e David Filo, do Google, de Larry Page e Sergey Brin, da Amazon, e de muitas outras empresas. "Elas foram formadas por nerds, com conhecimentos avançados de informática, com ideias brilhantes na cabeça e muita vontade de trabalhar", analisa Flávio.
Do bunker para o mundo
Apesar das ideias revolucionárias, faltava a muitos desses nerds uma dose de carisma ou o tal jeitinho para lidar com o mundo fora do laboratório. "Por causa disso, eles sempre apareceram pouco enquanto alguém com mais capacidades sociais, algum empresário, marqueteiro, é quem efetivamente tornava a tecnologia ou produto conhecidos", observa Fábio Akita, consultor da Gonow Tecnologia, em São Paulo, e programador especializado em desenvolvimento de software e gestão de projetos. O exemplo clássico, segundo ele, está na história da Apple, com Steven Wozniak assumindo o papel do nerd que implementou o microcomputador caseiro e Steve Jobs como o não-nerd que criou o mercado para esse produto.
Mas isso mudaria nos anos 90, quando os nerds finalmente conquistaram seu lugar ao sol. O clima, aliás, era favorável. No início daquela década, os computadores pessoais invadiam casas e escritórios, a internet vivia um crescimento explosivo, palavras como Windows e e-mails entravam para o nosso vocabulário, pages, pdas e celulares então se popularizavam. E ainda havia um certo finlandês chamado Linus Torvalds, que inventara um sistema operacional livre que logo revolucionaria várias áreas computação, de servidores a telefonia móvel. Quem dominasse essas ferramentas saía na frente. Foi assim que o cara mais esquisito da turma virou o centro das atenções. Afinal, ninguém melhor do que um nerd para navegar no admirável mundo novo da tecnologia.
Jovens antes ridicularizados agora conquistavam espaço no mercado e a admiração dos colegas. Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, a rede de relacionamentos que conecta 500 milhões de pessoas no mundo inteiro, representa bem essa transformação. De rapaz tímido e inseguro, hoje posa de tênis e camiseta na sede de sua empresa, avaliada em 50 bilhões de dólares. Em 2010, foi eleito pela revista Time uma das personalidades mais importante do mundo, título já dado a Gandhi, à rainha da Inglaterra e a Barack Obama.
Nerd empreendedor
Alvo de zombaria? Claro que não! Vergonha do apelido? Nem um pouco. Os nerds de hoje assumem sem medo o velho rótulo e têm orgulho dele. "Eu sou nerd de carteirinha", afirma Carlos Brando, que começou sua carreira de programador muito cedo, aos 14 anos. "Nessa época, eu brincava com braços mecânicos e uma linguagem chamada Assembly. Tudo não passava de um passatempo. Com o tempo, essa brincadeira ficou mais séria e eu me envolvi cada vez mais com programação de computadores. Tive o privilégio de aprender uma dúzia de linguagens de programação diferentes e trabalhar com a maior parte delas", relata.
O que Carlos fez com todo esse conhecimento? Seguiu o exemplo de nerds famosos e decidiu empreender. "Criei um site, o Nome do Jogo, para falar sobre o que mais gosto, que é programação. E cofundei uma empresa especializada em desenvolvimento de aplicativos sociais para plataformas como Orkut e Facebook", conta Carlos, que espera revolucionar esse mercado com uma novidade por enquanto mantida em segredo.
O espírito nerd empreendedor também contagiou Alexandre Ottoni e Deive Pazos. Fãs de ficção científica, fantasia, quadrinhos, RPG e games, eles reuniram seu conhecimento em um site que satiriza o universo nerd. O Jovem Nerd foi lançado em 2002, tendo como destaque os podcasts bem-humorados, e hoje virou negócio sério: recebe um milhão de visitantes por mês e, em 2009, abocanhou o prêmio MTV Vídeo Music Brasil de melhor site do ano. Hoje, o site gera receita por meio de anúncios e da loja virtual, onde são comercializados itens como camisetas e canecas.
"Essa percepção de que é possível empreender e inclusive ganhar dinheiro com aquilo que se faz por prazer ainda é nova aqui no Brasil e os nerds estão dando os primeiros passos nesse caminho", avalia Marco Gomes, que está um pouco mais à frente do que seus colegas. Em 2007, ele largou a faculdade de computação na UNB, em Brasília, e partiu para São Paulo para abrir sua empresa, a boo-box, especializada em tecnologia de publicidade para mídias sociais. A mudança valeu a pena. "A empresa cresceu, atraiu investidores, entre eles a Intel, e hoje conta com uma equipe de 30 pessoas", conta Marco. Atualmente, a boo-box exibe, a cada mês, mais de 600 milhões de anúncios com ofertas de produtos e campanhas publicitárias em mais de 16 mil sites, blogs, aplicativos e perfis em redes sociais.
Profissional do conhecimento, o novo líder
Ser nerd, hoje, abre portas. Profissionais com esse perfil começam a ser disputados a peso de ouro por algumas empresas. Nos Estados Unidos, salários da área de tecnologia são os mais altos, perdendo apenas para os do mercado financeiro. Também não faltam anúncios, no exterior, onde, em meio a uma série de requisitos, aparece a tal palavra mágica: nerd. Essa turma, agora, está percebendo que tem na mão um importante trunfo, quase um superpoder digno dos heróis dos quadrinhos: a capacidade de transformar as empresas à sua imagem e semelhança.
"Vemos isso mais fortemente no específico nicho de startups de tecnologia dos Estados Unidos (em outros lugares do mundo ainda são exceção). Nascem empresas como Google, Facebook, que uma vez dirigidas por nerds, criam ambientes onde outros nerds se sentem confortáveis em trabalhar e serem criativos", analisa Fábio Akita. O resultado, segundo ele, pode ser visto no dia-a-dia dessas organizações: locais de trabalho sem burocracias desnecessárias, com horários mais flexíveis, que estimulam o desenvolvimento de projetos pessoais e onde a gravata e terno dão lugar ao tênis e à camiseta.
Quem vislumbrou essa transformação foi um dos grandes teóricos da Administração, Peter Drucker. Em 1959, no livro Landmarks of Tomorrow, ele já mencionava a emergência dos chamados "trabalhadores de conhecimento", que sucediam os operários das indústrias e que representavam a transição do trabalho manual para o de conhecimento. "No final do século 20, esses profissionais somarão 1/3 ou mais da força de trabalho nos EUA, isto é, uma percentagem tão grande quando a dos operários, exceto em tempos de guerra", previu o autor.
Para Drucker, o profissional do conhecimento é alguém que teve acesso ao conhecimento formal, que se especializou numa área e sabe como aplicar, da maneira mais eficaz, aquilo que aprendeu. Esse grupo não obrigatoriamente será a maioria em uma sociedade, mas, segundo ele, irá moldá-la. "Podem não ser a classe dominante, mas serão a classe que lidera", afirmou.
A emergência do profissional do conhecimento, ainda segundo Drucker, estaria moldando as organizações. Essas, por sua vez, tornariam-se essenciais na sociedade do conhecimento, junto com a Administração. E ele explica o porquê: "O conhecimento especializado, por si, não gera desempenho. É necessária a contribuição de muitos outros especialistas. E isso exige que o especialista tenha acesso a uma organização."
Nesse cenário previsto por Drucker e testemunhado nos dias de hoje, as organizações passam a lidar com inúmeros desafios. Um deles é reconhecer que o trabalhador do conhecimento, quer seja líder ou empregado, é quem, no fim das contas, detém o conhecimento e sua aplicação. Logo, "as organizações precisam dele muito mais do que ele precisa delas", segundo Drucker.
Outro desafio é na hora de definir os postos de comando. Vale apostar no chefe carismático e com habilidades interpessoais, mas sem tanto conhecimento técnico, ou no capitão com conhecimento aprofundado sobre a área, mas que ainda tropeça no quesito comunicação? "Com os nerds ocupando cargos de CEO de empresas, eles se tornaram o motor de inovação dessas companhias. Os funcionários se inspiram neles para também criarem e deixarem a empresa com um eterno ar inovador", defende Flávio Amaral.
A transformação já começou. E, para os administradores, não adianta barrar o avanço do conhecimento nem dos profissionais que o dominam. Sendo assim, talvez, o conselho mais sensato seja: una-se a eles, siga seu exemplo. "Os nerds buscam, acima de tudo, conhecimento e querem trabalhar naquilo que gostam. O objetivo de todo profissional deveria ser esse, não importa em qual área", aconselha Fábio Akita. Lembre-se disso (e lembre sua equipe) na próxima vez em que digitar www, navegar na Wikipedia ou olhar para a imagem de uma maçã mordida.
Cultura nerd
Além de influenciar a economia, o jeito nerd de ser também contagiou a cultura e há alguns anos vem ajudando a ditar o que consumimos. A prova está no crescimento contínuo da indústria de games, na popularização dos mangás e HQs, na venda de action figures (bonecos articulados que representam personagens de filmes, quadrinhos ou games) e na crescente audiência de séries de TV, como The Big Bang Theory, que retrata o cotidiano de quatro jovens nerds do Instituto de Tecnologia da Califórnia. Bandas de rock, como Weezer e Wilco, fazem questão de se afirmarem nerds e até o jeito de se vestir dessa turma, com camisetas engraçadas e ar despojado, virou moda.
Galeria da fama
Nem todos os nerds vivem cercados de computadores e são aficionados por tecnologia. Eles também podem ser encontrados em outras áreas, como política, finanças e entretenimento.

Arte: João Faissal

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