12 de dezembro de 2008

O EXERCÍCIO DA ÉTICA

O EXERCÍCIO DA ÉTICA
Por Eugenio Mussak
“Ética é uma qualidade adquirida ao longo da vida? Se sim, como uma pessoa pode mudar sua relação com o mundo?”
No filme Antes de Partir (imperdível), dois homens (os grandes Jack Nicholson e
Morgan Freeman) na casa dos 70 anos são informados por seus médicos que têm
pouco tempo de vida. Nicholson faz o papel de um milionário sem caráter e
Freeman, o de um homem nobre e sábio. Este elabora uma lista de coisas que
gostaria de realizar “antes de partir”, o outro gosta da idéia e ambos saem pelo
mundo em busca das aventuras que não tiveram tempo ou condições de realizar ao
longo de suas vidas.
Uma das cenas mais tocantes acontece quando ambos observam as pirâmides no
Egito, e o personagem do Freeman conta que os antigos egípcios tinham uma bela
crença sobre a morte. Quando suas almas chegassem ao céu, os deuses lhes fariam
duas perguntas, cujas respostam determinariam se eles seriam ou não admitidos. A
primeira pergunta era: “Você foi feliz nesta vida?” E a segunda: “Sua vida fez
outras pessoas felizes?” Bastava que uma das respostas fosse negativa para que a
alma fosse condenada à danação eterna.
Olhando a cena mais de perto, notamos que ela trata exatamente do tema da ética,
pois as duas perguntas definem com precisão o significado de uma relação
construída sobre bons princípios – atender a seus próprios interesses sem
prejudicar os interesses dos outros. Ética é algo que pode – e deve – ser aprendido,
pois, quando nascemos, só temos instintos, e estes defendem nossos interesses
pessoais. Desenvolvemos ética enquanto amadurecemos e viramos pessoas que se
relacionam com os outros. E aprendemos a partir do comportamento daqueles que
nos servem de modelo, a começar por nossos pais, que inauguram a lista de
influências que teremos ao longo de nossas vidas.
Depois virão os professores, os artistas, os ídolos do esporte, os chefes no trabalho
e todo o conjunto de indivíduos que formam o que chamamos de sociedade. E
aprendemos muito mais a partir de exemplos que começamos a imitar que a partir
de instruções, pois estas, sem exemplos de conduta, são vazias. É claro que o
estudo, a literatura e a história também são formadores de pensamento ético, pois
através deles conhecemos exemplos de experiências anteriores, que servem de
guia para imitações ou repúdios.
Em todos os ambientes, a ética é importantíssima, não construímos uma sociedade
que não preste atenção nela. Mas, afinal, qual sua origem, sua explicação lógica?
Várias vezes já me pediram definições de ética, e sempre procurei as respostas nas
fontes clássicas. Os gregos diziam coisas variadas, de “lugar seguro onde
convivemos com nossos iguais” a “código de conduta que dá harmonia aos
relacionamentos” e a “estado da mente que nos aproxima dos deuses”. Criativos,
os gregos. É que a palavra ética deriva do grego ethos, que significa tanto costume
ou hábito quanto caráter, mas também tem o sentido de habitação. Portanto,
poderíamos dizer que ética pode significar o conjunto de hábitos que permitem o
convívio entre as pessoas.
Os romanos definiram ética como um código de conduta que facilita o
relacionamento humano e permite a criação de um ambiente dotado de equilíbrio,
justiça, progresso e harmonia. Era assim que eles queriam criar uma cultura que
fosse a base de uma civilização inteira, e Roma só entrou em decadência quando a
ética passou para a categoria das coisas menos importantes, por culpa de alguns
imperadores corruptos e devassos.
O cristianismo também foi importante nessa matéria, e acertou em cheio quando
adotou o lema “faze aos outros o que desejas que façam a ti”. Estava, na verdade,
falando de ética. Aliás, a ética, que é construída a partir de instruções e exemplos,
tem três fontes bem definidas: a religião, as leis e a moral. De certa forma, a
religião e as leis impõem uma conduta ética, pois estabelecem limites para as ações
e defi nem castigos para a desobediência. Já a moral, essa considera a ética como
uma virtude que se basta por si mesma. Nesse caso, referimo-nos à ética como
uma espécie de “filosofia moral” – esse é seu melhor formato.
Ela nos faz bem, não porque temos medo de uma punição. Se você não infringe
uma lei do trânsito porque você a aceita – e, portanto, você é co-autor dela –,
nesse caso você é ético. Se você só respeita aquela lei porque tem um guarda na
esquina, você não é.
Em um dos Diálogos de Platão, Sócrates conversa sobre ética com Glauco e lhe diz:
“Esse assunto diz respeito ao que há de mais importante: viver para o bem e viver
para o mal”. A visão do filósofo era de que maneira como convivemos em conjunto
será determinante para a criação da grande razão de ser de cada um de nós: a
busca da felicidade. Esta, dizia ele, não é uma dádiva divina sem sentido. É uma
espécie de recompensa a um esforço conjunto, em que a felicidade de um refletese
na felicidade dos demais, alimentando um estado permanente de criação do
bem-estar e da elevação espiritual. Esse é o campo da ética.
Ética boa, ética ruim
Sem dúvida, prestar atenção na ética vigente é uma condição indispensável quando
convivemos com pessoas em um ambiente, em qualquer âmbito. Todas as
organizações, por exemplo, trabalham em cima de uma ética, que às vezes está
clara, às vezes não – nesse caso, ela existe de qualquer maneira, e os “habitantes”
a praticam silenciosamente.
O que tem de ficar claro é que um código ético está sempre presente em
agrupamentos humanos, o que não quer dizer que ele seja sempre bom. No crime
organizado, por exemplo, há uma ética regendo as relações entre os participantes,
ainda que em seu arcabouço encontremse comportamentos de contravenção.
Apesar disso, ética sempre existe, pois é próprio das ações grupais que se
estabeleça o “código de ética”, a partir do qual as pessoas passarão a se
comportar. Está claro, então, que um código existirá de qualquer maneira, por isso
a preocupação com a criação de uma ética boa, moral, saudável, em ambientes
controlados, como escolas, empresas associações e, claro, famílias. Seu reflexo
será sentido na sociedade como um todo.
De fato, há empresas nas quais a ética não é exatamente exemplar. Mas uma
empresa assim, com uma ética não moral – ou aética –, não deve servir para se
trabalhar. E ponto. A construção de uma carreira deve ser maior que um emprego,
por isso o alinhamento com uma ética adequada é fundamental. No filme Conduta
de Risco, com George Clooney, há um exemplo espetacular sobre o tema.
Clooney representa um advogado chamado Michael Clayton. Ele trabalha em um
grande escritório de Nova York, especializado em defender empresas que, para
atingir seus objetivos, não pensam duas vezes antes de agredir a natureza, os
interesses coletivos ou a lei. Os advogados que trabalham nesse escritório são
considerados “faxineiros” – limpam a sujeira dos outros.
É claro que nosso herói acaba se deparando com um desses momentos da vida em
que os valores estão em jogo, mais que os interesses mundanos. Em meio a uma
imensa crise pessoal, ele se vê diante da grande decisão de sua vida: defender os
interesses de uma empresa cliente, e assim favorecer seus acionistas, ou optar pela
verdade e privilegiar a sociedade. Não vou contar o fim – veja o filme.
Sim, as organizações têm influência sobre o comportamento das pessoas, mas,
independentemente disso, deve ser preservada a ética individual, representada
pela maneira como as pessoas devem tratar umas às outras e como devem se
portar diante da organização ou categoria profi ssional em que estão inseridas.
O comportamento ético pode provocar choques culturais, especialmente num país
como o nosso, onde vigorou durante muito tempo uma tal “Lei de Gerson”, baseada
em um comercial de cigarros que dava como sinal de competência o “levar
vantagem em tudo” – ou, traduzindo: interesses pessoais acima dos interesses
coletivos.
Temos um senso comum, desde a época do descobrimento do Brasil, de que
cometer pequenos delitos é perfeitamente justificável, como sinal de esperteza ou
de inteligência. É uma característica da moral dicotômica de nosso país, mas que
vem sendo modificada felizmente – e isso está ocorrendo por iniciativa dos
cidadãos, que estão cada vez mais conscientes. Sabemos que somos éticos de
acordo com algumas pistas. Pense sobre o que você prefere:
• Ser honesto em qualquer situação;
• Assumir sua responsabilidade em qualquer circunstância;
• Agir sempre de acordo com os seus princípios e valores;
• Usar de humildade, considerando que você pode errar e que seus acertos nunca
serão apenas seus;
• Considerar as verdades dos outros, evitando emitir juízos precipitados.
Acredite, o exercício da ética boa dignifica o ser humano. Sem ela, o mesmo
embrutece. A importância da conduta ética em todos os tipos de relações é cada
vez maior, pois a ética organiza o comportamento, torna possível a convivência e
forma o substrato para o desenvolvimento das pessoas em sociedade. E é também
a ética que, em sua manifestação espontânea e justa, determina as bases da
felicidade, que nunca pode ser individual, egoísta, solitária. Como disse Einstein: “A
relatividade se aplica à física, não à ética”. E ponto final!

Texto publicado sob licença da revista Vida Simples, Editora Abril.

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